15 maio 2011

A Lei da Economia Popular e Solidária do Equador e o caso do Brasil

Por Daniel Tygel

Foi aprovada no dia 28 de abril a Lei de Economia Popular e Solidária e Finanças Populares e Solidárias do Equador. Este fato é um estímulo e subsídio importantes para nossas audiências públicas e debates a respeito da Economia Solidária e seu horizonte de transformação, que no caso do Equador se chama Kumak Kawsay (Bem Viver), que posiciona a vida acima do lucro e do individualismo. Vejam algo sobre o Kumak Kawsay aqui: http://www.cimi.org.br/?system=news&eid=409 .

Notem que a lei incorpora num mesmo texto a regulamentação das organizações de finanças populares (como do PL proposto por Luiza Erundina) e a regulamentação da Economia Popular Solidária (na linha do nosso PL da Economia Solidária que o FBES submeterá este mês ao Congresso Nacional).

Outra observação interessante é que são definidos 4 formas de organização: Setores Comunitários, Associativos e Cooperativistas, assim como as "Unidades Econômicas Populares". As 3 primeiras são coletivas, e a última são individuais ou familiares, como artesãos, pipoqueiros, etc. Vejam que, com isso, não se entra no mérito das "micro e pequenas empresas".

É uma maneira direta de tratar de setores individuais e familiares do mundo da economia popular numa lógica distinta à lógica do "empreendedor individual" que está em voga para o governo brasileiro. É só ver a definição inicial, que claramente aponta a supremacia da vida sobre o lucro como horizonte e princípio da EPS.

No caso brasileiro, estas "unidades econômicas populares" costumam participar de fóruns de economia solidária, em especial artesãos e artesãs, mas não são considerados empreendimentos solidários, pois não são coletivos. Só passam a sê-lo quando estas unidades se associam para comercializar, comprar insumos ou produzir. Acredito que este debate é interessante para fazermos depois desta tempestade do PL 865, no futuro: como a Economia Solidária contribui e pode contribuir ainda mais na organização da chamada "Economia dos Setores Populares" de modo emancipatório e no sentido de fortalecer uma orientação de desenvolvimento territorial, sustentável e solidário?

Outro aspecto interessante é que os 3 tipos coletivos de organização são cadastrados via um sistema próprio de registro (ou seja, não é a junta comercial, mas uma junta da economia popular e solidária). Por fim, me chamou a atenção o "ato econômico solidário", que é uma espécie de "ato cooperativo" mais amplo, abrangendo todas estas opções de organização econômica solidária.

A lei está neste link abaixo. Vale a leitura!
Lei_de_EPS_e_Finanças_Solidárias_do_Equador_2011-05-11.doc

Apenas para dar um gostinho, tomei a liberdade de traduzir e reproduzir abaixo os 4 primeiros artigos da lei (definição, objeto e princípios). Os princípios são muito bonitos e afinados com os nossos da Economia Solidária do Brasil.

Ao final deste texto, reproduzo também alguns artigos e extratos da Constituição do Equador, que dão a base para esta lei.

Artigo 1.- Definição.- Para efeitos da presente Lei, entende-se por economia popular e Solidária a forma de organização econômica, em que seus integrantes, individual ou coletivamente, organizam e desenvolvem processos de produção, trocas, comercialização, financiamento e consumo de bens e serviços, para satisfazer necessidades e gerar renda, baseadas em relações de solidaridade, cooperação e reciprocidade, privilegiando o trabalho e o ser humano como sujeito e fim de sua atividade, orientada ao bem viver, em harmonia com a natureza, sobre a apropriação, o lucro e a acumulação de capital.

Artigo 2.- Âmbito.- Se regem pela presente lei, todas as pessoas físicas e jurídicas, e demais formas de organização que, de acordo com a Constituição, conformam a economia popular e solidária e o setor Financeiro Popular e Solidário; e, as instituições públicas encarregadas da reitoria, regulação, controle, fortalecimento, promoção e acompanhamento.

As disposições da presente Lei não se aplicarão às formas associativas sindicais, profissionais, laborais, culturais, desportivas, religiosas, entre outras, cujo objeto social principal não seja a realização de atividades econômicas de produção de bens ou prestação de serviços.

Tampouco serão aplicáveis as disposições da presente Lei aos mutuais e fundos de inversão, as mesmas que se regirão pela Lei Geral de Instituições do Sistema Financeiro e Lei de Mercado de Valores, respectivamente.

Artigo 3.- Objeto.- A presente Lei tem por objeto:

Reconhecer, fomentar e fortalecer a Economia Popular e Solidária e o Setor Financeiro Popular e Solidário em seu exercício e relação com os demais setores da economia e com o Estado;

Potencializar as práticas da economia popular e solidária que se desenvolvem nas comunas, comunidades, povos e nacionalidades (nações indígenas), e em suas unidades econômicas produtivas para alcançar o Sumak Kawsay;

Estabelecer um marco jurídico comum para as pessoas físicas e jurídicas que integram a Economia Popular e Solidária e do Setor Financeiro Popular e Solidário;

Instituir o regime de direitos, obrigações e benefícios das pessoas e organizações sujeitas a esta lei; e,
Estabelecer a institucionalidade pública que exercerá a reitoria, regulação, controle, fomento e acompanhamento.

Artigo 4.- Princípios.- As pessoas e organizações amparadas por esta lei, no exercício de suas atividades, se guiarão pelos seguintes princípios, segundo corresponda:

A busca do bem viver e do bem comum;

A prioridade do trabalho sobre o capital e dos interesses coletivos sobre os individuais;

O comércio justo e consumo ético e responsável;

A equidade de gênero;

O respeito à identidade cultural;

A autogestão;

A responsabilidade social e ambiental, a solidariedade e responsabilização; e,

A distribuição equitativa e solidária de excedentes.

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