23 maio 2011

Chomsky debulha a manipulação dos meios

Noam Chomsky elaborou a lista das “10 Estratégias de Manipulação” através da mídia. Em seu livro “Armas Silenciosas para Guerras Tranqüilas”, ele faz referência a esse escrito em seu decálogo das “Estratégias de Manipulação”.

1 – A Estratégia da Distração.

O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração, que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças que são decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundação de contínuas distrações e de informações insignificantes.

A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir o público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais na área da ciência, economia, psicologia, neurobiologia ou cibernética.

“Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais” (citação do texto ‘Armas Silenciosas para Guerras Tranquilas’).

2 – Criar problemas e depois oferecer soluções.

Este método também se denomina “Problema-Reação-Solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que seja este quem exija medidas que se deseja fazer com que aceitem. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja quem demande leis de segurança e políticas de cerceamento da liberdade.

Ou também: criar uma crise econômica para fazer com que aceitem como males necessários o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3 – A Estratégia da Gradualidade.

Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradualmente, com conta-gotas, por anos consecutivos. Dessa maneira as condições sócio-econômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990.

Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego massivo, salários que já não asseguram rendas decentes, tantas mudanças que provocariam uma revolução se fossem aplicadas de uma vez só.

4 – A Estratégia de Diferir.

Outra maneira de fazer com que se aceite uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato.

Primeiro porque o esforço não é empregado imediatamente. Logo, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para se acostumar com a idéia da mudança e aceitá-la com resignação quando chegar o momento.

5 – Dirigir-se ao público como a criaturas de pouca idade.

A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse uma criatura de pouca idade ou um deficiente mental.

Quanto mais se pretende enganar o espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por que? “Se alguém se dirige a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, então, em razão da sugestão, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.

6 – Utilizar o aspecto emocional muito mais que a reflexão.

Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto-curcuito na análise racional, e, finalmente, no sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou injetar ideias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos.

7 – Manter o público na ignorância e na mediocridade.

Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância planejada entre as classes inferiores e as classes sociais superiores seja e permaneça impossível de ser alcançada para as classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.

8 – Estimular o público a ser complacente com a mediocridade.

Promover a crença do público de que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto.

9 – Reforçar a auto-culpabilidade.

Fazer crer ao indivíduo que somente ele é culpado por sua própria desgraça devido à insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, em vez de se rebelar contra o sistema econômico, o indivíduo se menospreza e se culpa, o que gera um estado depressivo, cujo um dos efeitos é a inibição da ação do indivíduo. E sem ação não há revolução!

10 – Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem.

No decurso dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência geraram uma crescente brecha entre os conhecimentos do público e aqueles que possuem e utilizam as elites dominantes.

Graças à biologia, à neurobiologia e a psicologia aplicada, o “sistema” desfrutou de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicológica. O sistema conseguiu conhecer melhor o indivíduo comum do que este conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior que o dos indivíduos sobre si mesmos.

Noam Chomsky. Filósofo, ativista, autor e analista político estadunidense. É professor emérito de Lingüística no MIT e uma das figuras mais destacadas desta ciência no século XX. Reconhecido na comunidade científica e acadêmica por seus importantes trabalhos em teoria lingüística e ciência cognitiva.

20 maio 2011

Redes Latinoamericanas de Economia Solidária enviam carta à Presidenta Dilma sobre PL 865

RIPESS Región Latinoamérica*

A La Excelentíssima Presidenta de Brasil, Sra. Dilma Rousseff, y a los ilustres miembros del Congreso Nacional de Brasil

Los abajo firmantes, entidades, académicos y activistas comprometidos con el movimiento de Economía Solidaria en Latinoamérica y Caribe y el mundo, pues constituye una expresión de la búsqueda y realización práctica de millones de personas, que ven cómo las organizaciones de carácter comunitario, asociativo, cooperativo y mutualista, creadas para responder a las necesidades de empleo y de bienestar de los pueblos, están favoreciendo la expansión de relaciones sociales y económicas integradoras y democráticas, así como la viabilidad de una economía que permita a todos los hombres y mujeres, con igualdad, satisfacer sus necesidades y ambiciones cuidando que las generaciones futuras puedan satisfacer las suyas; nos dirigimos a ustedes para expresarles que:

El 17 de Noviembre de 2010, vimos con beneplácito la promulgación de un Decreto presidencial en Brasil, que disponía el establecimiento de un Sistema Nacional de Comercio Justo y Solidario (SCJS), conducido por una Comisión Gestora Nacional, compuesta por representantes estatales y de la sociedad civil.

Brasil se constituía así en el primer país del mundo en instituir una instancia de coordinación de acciones de gobierno nacional para el reconocimiento y promoción de las prácticas de comercio justo y solidario.

Hemos seguido con interés el proceso de promoción de la Economía Solidaria efectuado por el Estado brasileño, desde algunos gobiernos municipales y estaduales, a partir de fines de los noventa, y, particularmente, desde el gobierno federal, con la creación de la Secretaría Nacional de Economía Solidaria (SENAES) del Ministerio de Trabajo y Empleo en junio de 2003.

Apreciamos así la ejecución participativa de un “Mapeamento da Economia Solidária no Brasil”, realizado los años 2004 - 2005, por impulso de SENAES, que permitió registrar a más de 20,000 emprendimientos, con perspectiva a fortalecerlos favoreciendo su integración e intercambios, y su visibilidad para procesos públicos de reconocimiento y formulación de políticas y marcos jurídicos específicos.

Conocimos también del empeño de SENAES en establecer mecanismos efectivos e institucionalizados de participación social en la formulación y acompañamiento de las políticas públicas de Economía Solidaria. Esto se manifestó en la puesta en marcha del Consejo Nacional de Economía Solidaria, con representación de los diferentes niveles de gobierno, y de emprendimientos y entidades no gubernamentales de fomento de la Economía Solidaria; así como en la organización, en asocio con el Foro Brasileño de Economía Solidaria, de Conferencias Nacionales de Economía Solidaria, que movilizaron a miles de personas en todo Brasil con conferencias preparatorias a nivel municipal, microrregional y estadual.

Siempre hubo un canal directo de diálogo entre el equipo de SENAES y la sociedad civil no sólo de Brasil sino internacional, lo que hizo posible su participación en diferentes espacios de debate regional e intercontinental del movimiento social de Economía Solidaria, como los celebrados en Cochabamba (2005), La Habana, Lima (2007), Medellín (2010), Dakar (2005), así como en Luxemburgo (2009), donde una nutrida delegación latinoamericana mostró al mundo los avances en la co-construcción de políticas públicas, mediante la interlocución del Profesor Paul Singer, Secretario Nacional de Economía Solidaria de Brasil.

Otro hito en la intervención estatal de fomento de la Economía Solidaria se dio el 2007, también en Brasil, con la creación del Frente Parlamentario de Economía Solidaria en el Congreso Nacional, paso importante en la construcción de un espacio de interlocución del movimiento social de Economía Solidaria con el proceso legislativo.

Por todo ello, enterados de la presentación al Congreso Nacional del Proyecto de Ley Nº 865, de 2011, que modifica la Ley N°10.683, del 28 de mayo de 2003, y crea la Secretaría de Micro y Pequeña Empresa, como órgano encargado de formular, coordinar y articular las políticas de apoyo dirigidas a la micro y pequeña empresa, y al cooperativismo y asociativismo urbanos, transfiriendo a su estructura al Consejo Nacional de Economía Solidaria y las competencias que recaen en la actual Secretaria Nacional de Economia Solidaria de Brasil, declaramos:

1. Nuestro respaldo a la movilización del Foro Brasileño de Economía Solidaria por la enmienda de este proyecto de ley, y a su solicitud de retirar del PL 865 todas las atribuciones relacionadas a la Economía Solidaria. Suscribimos, como ellos, la importancia de preservar y fortalecer dentro del gobierno federal un organismo competente para atender la especificidad del sector cooperativo y asociativo de la economía.

2. Nuestro reconocimiento a la voluntad política de apertura y negociación que muestra el gobierno brasileño respecto a los cambios propuestos sobre el PL 865, con la decisión de realizar audiencias públicas estaduales y una audiencia publica nacional para su debate y resolución.

3. Nuestro saludo al relanzamiento del Frente Parlamentario de Economía Solidaria, espacio de diálogo y debate democrático que, estamos seguros, permitirá avanzar de programas de gobierno hacia políticas de Estado de Economía Solidaria en Brasil.

Somos testigos de que gobiernos de diferentes países de Latinoamérica y Caribe han venido avanzando en el reconocimiento legal y la institucionalización de la Economía Solidaria, como una vía necesaria para resolver problemas de exclusión y desigualdad de oportunidades, así como para abrir caminos a una economía más justa y socialmente eficiente. En particular, hemos observado como en Brasil se ponía a prueba la posibilidad de la co-construcción de políticas públicas con activa participación de los actores organizados de la Economía Solidaria, constituyendo un ejemplo para la región y para países de otros continentes. Hacemos votos para que esa propuesta de política democrática y participativa se consolide, y podamos todos asumirla como una opción no solo deseable sino factible y sostenible de política de Estado.

17 de Mayo de 2011

- Red Intercontinental de Promoción de la Economía Social Solidaria (RIPESS)
- Confederación Latinoamericana de Cooperativas y Mutuales de Trabajadores (COLACOT)
- Regional Latinoamericana de la Unión Internacional de Trabajadores de la Alimentación, Agrícolas, Hoteles, Restaurantes, Tabaco y Afines (Rel-UITA)
- Espacio Mercosur Solidario
- Mesa de Coordinación Latinoamericana de Comercio Justo
- Grupo Red de Economía Solidaria del Perú (GRESP)
- Espacio ECOSOL – México
- Groupe D’économie Solidaire Du Québec (GESQ), Québec – Canada
- Red de Economía Solidaria de Santiago de Chile
- Red de Socioeconomía de la Solidaridad del Sur (REDESSOLES) - Chile
- Chantier De L’économie Social – Canadá
- Consejo Mexicano de Empresas de la Economía Solidaria
- Espacio Nacional de Economía Social y Solidaria (ENESS) de Argentina
- Confederacion Nacional de Cooperativas del Peru (CONFENACOOP)
- Mesa Nacional de Trabajo Cooperativo y Solidario de Colombia
- Consejo Hondureño del Sector Social de la Economía (COHDESSE)
- Red Peruana de Comercio Justo y Consumo Ético
- Red de Economia Solidaria Macro Region Nor Oriental (RESNOR) - Perú
- Grupo Iniciativa de Economia Solidaria de Chiclayo – Peru
- Red de Producción de Bienes, Servicios y Saberes de Economía Solidaria (REDESOL), Cuenca – Ecuador
- Red COMAL – Honduras
- Instituto de Desarrollo de la Economía Asociativa (IDEAC) – República Dominicana
- Corporación CREEMOS – Colombia
- Grupo de Estudios Sobre Colonialidad – Argentina
- REDESOL Antioquia, Medellin – Colombia
- ICECoR - Instituto para el Comercio Equitativo y el Consumo Responsable, Buenos Aires Argentina
- Asociación Civil "Trabajando por la Economía Social" (TES), Buenos Aires - Argentina
- Emprendimiento Textil Artesanal de Mujeres Soncko Argentino, Buenos Aires - Argentina
- Programa Centroamericano de Economía Solidaria – PECOSOL, Managua – Nicaragua
- REDESOL Cuenca – Ecuador
- Red de Economía Social y Solidaria de Catamarca “Cooperación y Trabajo” – Argentina
- Red NOA del Banco Popular de la Buena Fe – Argentina
- Red Nacional del Banco Popular de la Buena Fe - Argentina
- José Luis Coraggio, Director de la Maestria de Economia Social, Universidad Nacional de General Sarmiento, DNI 5616132 – Argentina
- Anibal Quijano, Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima – Perú
- Yves Vaillancourt, Miembro de LAREPPS-UQAM (Laboratoire de recherche sur les pratiques et les politiques sociales-Université du Québec à Montréal – Canada
- Boris Marañón, Universidad Nacional Autónoma de México, Grupo de Trabajo Economía Solidaria – CLACSO
- Susana Hintze, Universidad Nacional de General Sarmiento – Argentina
- Jose A Reyes, Coordinator NORDIK Institute, ALGOMA UNIVERSITY – Canada
- Guillermo Díaz Muñoz, CI 308472462411, Universidad ITESO, Tlaquepaque, Jalisco – México
- Pablo Quintero, Universidad de Buenos Aires / CONICET, DNI 94066392
- Pedro Castillo, Instituto Cooperativo Interamericano (ICI), Apartado 0834-02794, Panamá - República de Panamá
- Profesor Ruben Sánchez Martínez, CI 1.412.042-0, Montevideo – Uruguay.
- Fernando de Torres, CI 1.005.923-1, Montevideo – Uruguay
- Juan Gerardo Dominguez, Cedula 0694006537600 – México
- Hector Valdes Trejo, Cedula 4606002396377 – México
- Oswaldo Salgado Cañaveral, Medellín – Colombia
- Jhon Jairo Correa, Medellín – Colombia
- Jhon Jairo Cano, Medellín – Colombia
- Norela Ruiz Salazar, Medellín – Colombia
- Rosa Rivera, Medellín – Colombia
- Liliana Moreno, Medellín – Colombia
- Tarsicio Aguilar, Medellín – Colombiaç
- Luis Fernando Florez, Medellín – Colombia
- Martha Restrepo Brand, Medellín – Colombia
- Victor Bula, Medellín – Colombia
- Rosa Ramona Zambrano, DNI 13774513, Buenos Aires – Argentina
- María Sol Arroyo, Buenos Aires – Argentina
- Margarita Córdova Herrera, Buenos Aires – Argentina
- Verónica Mizrahi, Buenos Aires – Argentina
- Valeria Mutuberría Lazarini, Buenos Aires – Argentina

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17 maio 2011

Elementos para a busca do bem viver (sumak kawsay) para todos e sempre

Paulo Suess – Assessor Teológico do Cimi
02/12/2010 - 16:20


Na construção do “bem viver”, dois eixos são sumamente importantes: o “bem viver” para todos, quer dizer, o combate contra uma sociedade de classes e privilégios, e o “bem viver” para sempre, que é o “bem viver” com memória histórica, o bem viver não apenas dos sobreviventes e vencedores, mas o bem viver que dá voz e ouvido aos vencidos. Sem essa dimensão de resgate histórico e horizonte escatológico é impossível pensar o bem viver para sempre. Portanto, o bem viver tem uma dimensão que perpassa o tempo (diacronia), uma dimensão transhistórica, e uma dimensão contemporânea e simultânea (sincrónica), que enfoca o aqui e agora do indivíduo e da sociedade. O bem viver não é construído em Spá nem em estúdio de wellnes, mas num laboratório no qual se entrelaçam ação política e gratuidade.

Ser feliz, como indivíduo, e viver bem, como ser social em família e sociedade são duas tarefas conjuntas que procuramos solucionar a vida inteira. Parecem duas tarefas contraditórias. No centro da primeira está a felicidade própria do indivíduo, o núcleo da segunda são costumes e prescrições culturais, a moral, a virtude e a lei da sociedade.

Temos exemplos históricos, que mostram que é possível esmagar o indivíduo pelo coletivo como temos exemplos do contrário que nos mostram como o indivíduo, com seus anseios de igualdade e liberdade, se impõe à coletividade através de privilégios herdados ou prestígios sociais conquistados. Numa sociedade de grandes desigualdades não há felicidade, nem para as elites nem para os pobres. A partir de certa disparidade entre ricos e pobres, falta a base material para o bem-estar espiritual da maioria da população. Não reduzimos a felicidade ao bem-estar material nem separamos o bem estar material do bem-estar espiritual.

Praticamente todas as lutas sociais representam tentativas de equilibrar felicidade individual e moral social, ou, como se diz no mundo andino, são buscas de harmonia, de harmonia sociocultural entre o individuo e o coletivo, e harmonia entre os seres humanos e a natureza da qual são parte integrante.

Essa busca de harmonia se transformou em lutas políticas. A harmonia não é dada. Ela é uma conquista que exige vigilância permanente. Nas declarações de independência procurou-se derrubar o poder do colonizador. Na Revolução Francesa, o novo cidadão procurou derrotar os nobres e o clero com seus privilégios e nas revoluções socialistas procurou-se destituir o burguês privilegiado pela classe operária. Hoje, o capitalismo, essa nova colonização pelo capital, pela ideologia do desenvolvimento, pelo consumo e pela competição, procuramos curar as patologias do desequilíbrio que se manifesta pela acumulação, pelo crescimento desenfreado e pela aceleração. Procuramos novos conceitos de propriedade e desenvolvimento para construir novas realidades. Procuramos bem-estar sem crescimento. No meio de lutas pela redistribuição dos bens (terra, água, ar) e pelo reconhecimento do outro procuramos desvincular o bem-estar do crescimento predatório (agrotóxicos, expansão sobre a propriedade dos outros, consumo autodestrutivo). Percebemos que o capitalismo não tem patologias. Ele é a patologia.

1. Um olhar rápido sobre a história do “bem viver”

Um olhar histórico nos mostra, como o bem viver pode ser truncado por estruturas de uma sociedade aristocrática, por um sistema colonial ou pelo próprio capitalismo patológico.

1. Em sua “Ética a Nicómaco”, Aristóteles (384-322 a.C.) tece um fio condutor para seu filho e a sociedade do bem e feliz viver. Os fundamentos desse bem viver são: língua, política, razão e moralidade. Mas o bem viver de Aristóteles não é para todos. É a ética de uma República Aristocrática que precisa de escravos para realizar seu bem viver. O “bem viver” numa sociedade aristocrática, que não questiona a escravidão, é o “bem viver” das elites às custas dos escravos.

2. “A primeira nova crônica e bom governo” de Felipe Guamán Poma de Ayala (1535-1616?) representa a tentativa indígena de descrever, através de um “bom governo”, a possibilidade do “bem viver”. Guamán Poma se declara descendente da linhagem incaica e cristão. Em busca do “buen Govierno” e do “buen vivir”, que são conversíveis, ele denuncia profeticamente a traição do Evangelho e dos princípios de um bom governo através de inúmeros desenhos e poucas palavras[1]. No sistema colonial, ambas as culturas, a cristã e a andina se autodestruíram. O bem viver é insustentável em ilhas do sistema colonial[2]. O bem viver envolve a humanidade em lutas antiescravagistas e anticoloniais.

3. A Independência dos países latino-americanos nem sempre foi um avanço em direção do bem viver. Os mecanismos da colonização e de uma sociedade escravocrata podem também continuar em países independentes. As elites mestiças, crioulas e brancas que assumiram os governos ditos independentes, muitas vezes reproduziram os mecanismos de dominação no interior de seus países. No Brasil, a escravidão continuou. Nos países emancipados, afro-americanos e indígenas, geralmente, não participaram do “bem viver” pós-colonial.

2. Desafios ao “bem viver” hoje

O sistema capitalista é incapaz de produzir o bem viver de todos os cidadãos. Consumismo e fome são expressões desse desequilíbrio na distribuição dos bens da terra. Crescimento, expansão e aceleração se tornaram palavras mágicas, apoiadas por tecnologias cada vez mais sofisticadas a serviço da substituição de trabalhadores. No atual projeto, na aceleração da produção e na acumulação do capital, não se trata apenas de uma manipulação de objetos mortos. Capital e produção representam relações sociais mediadas por exploração, alienação e coisificação. A relação utilitarista “custo-benefício” não é uma mera relação comercial com sua lógica própria. Nela está embutida uma relação social.

Quem produz mais barato é aquele que se submete a condições de um trabalho penoso, que a máquina e os computadores ainda não conseguem resolver. Esse trabalho penoso, em geral de curta duração, é acompanhado de um salário indigno, sem garantia de direitos sociais, de educação dos filhos ou aposentadoria. Consequência desta nova configuração do trabalho são os mal empregados, os desempregados, os migrantes em busca de melhores condições de sobrevivência.

O que está em questão é coesão e solidariedade social interna das sociedades. Essa solidariedade é atropelada pela concorrência do mercado globalizado que vive da exclusão e não da integração dos cidadãos. Redistribuição, integração social pelo trabalho e participação do lucro se tornaram direitos humanos. O poder judiciário está despreparado para garantir esses direitos.

A exploração irracional atinge não só operários, indígenas ou migrantes, mas também a nossa irmã natureza. A devastação de florestas e da biodiversidade, “coloca em perigo a vida de milhões de pessoas”, em especial a vida dos “camponeses e indígenas, que são expulsos para as terras improdutivas e para as grandes cidades para viverem amontoados nos cinturões de miséria” (DAp 473).

O que está em questão é o “atual modelo econômico, que privilegia o desmedido afã pela riqueza, acima da vida das pessoas e dos povos” (DAp 473). O “bem viver” está também ameaçado por uma crise cultural profunda que se manifesta como crise de sentido, como fundamentalismo político-religioso e como consumismo. A dissolução do sentido da história humana numa mera história natural e a afirmação da verdade única como negação do reconhecimento do outro e do pensamento diferente representam um potencial permanente de guerra e violência, inclusive no interior das religiões.

Depois de guerras para a implantação da democracia, hoje essa democracia liberal está numa profunda crise estrutural pela confusão dos poderes (executivo, legislativo e judiciário) e pela ética. A democracia liberal não permite a participação satisfatória do povo, sobretudo dos pobres, dos excluídos e dos povos indígenas, especialmente quando são minoria.

A justiça em nossos países tornou-se uma justiça formal, morosa e caríssima, que atua, muitas vezes, longe dos lugares onde acontecem as injustiças, e não serve aos pobres, que desconhecem os trâmites legais e não conseguem pagar advogados competentes para garantir seus direitos básicos. O aparato policial não traz segurança à população e as condições inumanas das nossas cadeias fazem delas verdadeiras escolas do crime.

Acreditamos que um outro mundo é possível, porque o atual tripé crescimento econômico, segurança social e democracia política não oferece perspectivas do bem viver universal. Não entramos no jogo de alternativas perversas: democracia com fome e miséria, ou bem-estar material sem participação, sem liberdade política e sem horizonte de sentido, ou prosperidade econômica do país com ditadura e fome.

A construção do bem viver é uma construção cultural (não natural). Quem quer construir o bem viver, é contracultural. Essa construção significa:

- descolonizar as instituições políticas,
- desmercantilizar os saberes, a fé, a escola, saúde,
- desprivatizar o que deve ser de domínio público,
- na patologia da aceleração somos o freio de emergência.

3. Uma luz no túnel: sumak kawsay

Enquanto o Brasil está competindo com os países com economias fortes, nas discussões constitucionais da Bolívia e do Equador irrompeu uma proposta que procura superar as políticas alinhadas com os projetos de hegemonia competitiva. Essa proposta, de origem kechwa, se articula em torno de um novo paradigma do “bem viver”, em kechwa, “sumak kawsay”. O “sumak kawsay” é uma utopia política não muito distante da utopia do Reino. Ambos são precedidos ou representam um pachakuti, uma reviravolta social. O pachakuti restabelece o equilíbrio perdido e abre o caminho para “viver em plenitude”.

Na “Conferencia de los Pueblos sobre El Cambio Climático y los Derechos de La Madre Tierra”, num “Acordo dos Povos” do dia 22 de abril em Cochabamba, o “sumak kawsay” foi novamente consagrado como paradigma planetário.

3.1. A proposta do “viver bem” equatoriano

Em oposição à lógica do capitalismo neoliberal que propõe “viver melhor” com mais mercadorias que ameaçam o equilíbrio ecológico e social, o conceito do “sumak kawsay” propõe repartir os bens para que todos possam “viver bem”. A vida humana de todos em harmonia com a natureza é o eixo central dessa proposta.

O Plano Nacional Para El Buen Vivir (2009-2013) do Equador resume bem a proposta do paradigma do “viver bem”. O significado profundo desse Plano está na ruptura conceitual do Consenso de Washington (1989, era neoliberal) e dos conceitos ortodoxos do desenvolvimento de hoje (crescimento, rapidez, exportação). O paradigma do “viver bem” representa a busca, em longo prazo, de um novo pacto social, que é construído continuamente.

Rupturas necessárias

a) A ruptura constitucional e democrática, para sentar as bases de uma comunidade política inclusiva e reflexiva, que aposta na capacidade do país para definir outro rumo como sociedade justa, diversa, plurinacional, intercultural e soberana. Para o projeto do “viver bem” é indispensável a construção de uma cidadania radical, que estabelece as condições materiais de um projeto nacional inspirado na igualdade em diversidade.
b) A ruptura ética para garantir a transparência, a prestação de contas e o controle social que favorecem o reconhecimento mútuo entre as pessoas e a confiança coletiva.
c) A ruptura econômica, produtiva e agrária para superar o modelo de exclusão herdado e para orientar os recursos do Estado para a educação, saúde, investigação científica, tecnologia, para o trabalho e a reativação produtiva, em harmonia e complementaridade entre zonas rurais e urbanas. Essa ruptura deve concretizar-se através da democratização do acesso à água e terra, ao crédito e conhecimento.
d) Ruptura social para que, através de uma política social articulada a uma política econômica inclusiva e mobilizadora, o Estado garante os direitos fundamentais.

Identidade ética do “buen vivir”

A definição do Buen Vivir implica reconhecer que se trate de um conceito complexo, vivo, não linear, porém historicamente construído, e que está em constante resignificação. Por Buen Vivir os autores entendem “a satisfação das necessidades, o alcance de uma qualidade de vida e morte dignas, a convivência social e ecológica em harmonia. O Buen Vivir pressupõe ter tempo livre para o lazer, e que as liberdades, oportunidades e capacidades reais dos indivíduos sejam ampliados.

Medidas práticas

Precisamos um novo modo de geração de riquezas e redistribuição numa sociedade pós-petrolífero:

a) Democratização dos meios de produção, redistribuição das riquezas e diversificação da propriedade;
b) Aumento de produtividade real e diversificação das exportações;
c) Inserção estratégica e soberana no mundo e na América-Latina;
d) Conectividade e telecomunicações para construir a sociedade da informação;
e) Mudança da matriz energética;
f) Bien Vivir no marco de uma macroeconomia sustentável;
g) Sustentabilidade, conservação, conhecimento do patrimônio natural;
h) Desenvolvimento e ordenamento territorial, desconcentração e decentralização;
i) Poder cidadão e protagonismo social.

3.2. Proposta do Bien Vivir boliviano

O “buen vivir” é um conceito de vida longe dos parâmetros do crescimento econômico, longe do individualismo, da relação custo-benefício, da relação utilitarista entre os seres humanos e a natureza, longe da mercantilização de todas as esferas da vida e da violência culturalmente não mais controlada.

O “sumak kawsay” propõe a incorporação da natureza na história, não como fator produtivo nem como força produtiva, mas como parte inerente ao ser social. Os seres humanos fazem parte da natureza. O “buen vivir” supera as dicotomias cartesianas, entrelaça o tempo linear com o tempo circular, o mito com a história e a objetividade da produção com a subjetividade da “mãe terra”.

“Buen vivir”, que é possível quando o ser humano vive em comunidade com a natureza, representa uma re-união “fraternal” entre a esfera da política e a esfera da economia. No “buen vivir” o valor de uso da mercadoria está acima do valor de troca (fraudado pela mais-valia expropriada). O ser individualizado da modernidade tem que reconhecer a existência ontológica de outros seres que têm direito a existir e viver com sua alteridade.

Em entrevista recente, o ministro das Relações Exteriores da Bolívia e especialista em cosmovisão andina, David Choquehuanca, elencou como essência do “viver bem”:

a) Priorizar a vida e os direitos cósmicos
Viver Bem significa buscar a vivência em comunidade, onde todos os integrantes se preocupam com todos. O mais importante não é o ser humano (como afirma o socialismo) nem o dinheiro (como postula o capitalismo), mas a vida com mais simplicidade possível. Viver bem signnifica dar prioridade aos direitos cósmicos antes que aos Direitos Humanos. É mais importante falar sobre os direitos da Mãe Terra do que falar sobre os direitos humanos.

b) Construção do consenso
Viver Bem significa buscar o consenso entre todos. Na hora de conflitos se procura chegar a um ponto de neutralidade em que todos coincidam. Procura-se aprofundar a democracia para que não haja submissão. Submeter a minoria à maioria não é “viver bem”.

c) Respeitar as diferenças
Para viver em harmonia é necessário respeitar a diferença. O respeito se estende a todos os seres que habitam o planeta (animais, plantas). O respeito vai além da tolerância. Aceitar a diferença significa também aceitar a semelhança.

d) Ver na diferença a complementaridade
Nas comunidades, a criança se complementa com o avô, o homem com a mulher, a terra com a água, a humanidade com os vegetais.

e) Equilíbrio (não-exclusão dos opostos)
Bem Viver significa levar uma vida equilibrada com todos os seres dentro de uma comunidade e com a natureza. Vivemos atualmente num projeto que exclui. Democracia, justiça, meios de comunicação, terra, natureza – em tudo se mostram mecanismos de exclusão

f) Valorizar a identidade
Viver bem significa valorizar e recuperar a identidade. Esta identidade tem como base valores que resistiram mais de 500 anos e que foram transmitidos pelas famílias e nas comunidades que viveram em harmonia com a natureza e o cosmos.

g) Saber comer, beber, dançar, trabalhar
Em tudo prevalece o equilíbrio e os aprendizados ancestrais. O trabalho é algo comunitário e festivo e não produção de mais-valia.

h) Saber se comunicar
Bem Viver é saber se comunicar. Rezar significa comunicar (cacique Babau). O diálogo é o resultado desta boa comunicação ancestral nas comunidades (oralidade!).

i) Escutar os anciãos
Bem Viver significa ler as rugas dos avós para poder continuar o caminho. “Nossos avós são bibliotecas ambulantes”.
Colonização e civilização não venceram o discurso do “bem viver”. O sumak kawsay (“buen vivir”) emerge novamente como tarefa, imperativo e salva-vidas; faz parte daquela sabedoria divina que a humanidade recebeu por muitos caminhos. Ela age, como a sabedoria do Reino, como cunha nas rachaduras da sociedade alienada.

4. Construção do “bem viver” como crítica, ascese e solidariedade

Como cristãos podemos compreender o bem viver como vida em plenitude e como sabedoria do reino, sem privilégios, sem prestígio. O bem viver no horizonte da solidariedade não é para nós, é para os outros: “A outros Ele ajudou, para si mesmo não sabe fazer nada”. Lutamos como servos para que ninguém precise ser servo.

Alguns leitores, talvez possam perguntar: Não existe nenhuma possibilidade de nós sermos também os construtores do nosso bem viver? Você não oferece nenhuma fatia pequena da teologia de prosperidade para nós? O nosso bem viver é resultado do bem viver do outro, e não como compensação transcendental, mas no aqui e agora. Os respingos da felicidade do outro podem iluminar nossa vida, como as dores do outro nos mantém no caminho e na luta.

O contexto político-cultural de hoje dificulta assumir publicamente o conflito social como motor para a construção do bem viver. Quem fala em luta de classe parece não ter compreendido as mudanças de época. Mas um novo modelo de sociedade e desenvolvimento não vai emergir gratuitamente. Por causa dos pobres somos obrigados de nos fazer presentes nessas lutas, evangelicamente responsáveis e socialmente relevantes. Através de pequenas compensações e através de uma legalidade formal, o capital conseguiu impor um contentamento superficial. Pobres e lideranças dos movimentos sociais foram cooptados por cestas básicas de comida e medidas de mitigação que representam o prato enfeitado daquele que é levado à forca. A “ação afirmativa” substituiu a “ação crítica”. A luta com a espada é reduzida à alfinetadas, à produção de documentos, ao profetismo em off. Num contexto de alienação generalizada e de silêncios comprados, temos a tarefa de “desafinar o coro dos contentes” (Torquato Neto) e desgovernar a nau dos adaptados que se contentam com o pouco que o gozo regressivo à fase oral e anal (Freud) oferece de maneira destrutiva via consumo e acumulação. O bem viver para todos e sempre significa puxar o freio de emergência do projeto acelerado e desgovernado em curso e propor outro projeto civilizatório.

A vida dos cristãos é atravessada pela cruz que assumimos por causa do bem viver dos outros e pela gratuidade. Anunciamos o Reino de Deus como libertação da servidão, nos fazendo servos de todos. A radicalidade da encarnação (e inculturação) tem o nome de solidariedade (cf. Gaudium et spes, 32).

Solidariedade, hoje, significa despojamento e ascese. Ascese para nós é libertação do supérfluo, para que todos possam ter o necessário para o bem viver. A ascese é o protesto contra nossa humilhação como consumidores. O consumo é a regressão à fase oral da nossa primeira infância. A ascese é protesto contra a exploração, a exclusão e a fome dos outros. O motivo profundo de uma vida que incorpora a ascese é solidariedade e participação.

Ascese, em sua forma individual, pode significar conversão; e ascese, em sua forma comunitária e sociopolítica, significa ruptura sistêmica e solidariedade. O bom é o inimigo do melhor e do mais. Precisamos aprender a viver melhor com menos.

No horizonte evangélico de uma igualdade radical não existe lugar para a apropriação privada da vida boa, nem da fé, da esperança e do amor. A fé nos foi dada por causa dos desacreditados. A esperança nos foi dada por causa dos desesperados. O amor nos foi dado por causa dos desprezados. Tudo que recebemos pertence aos necessitados.

Vida boa para todos e para sempre! A dimensão da cruz é a dimensão da ruptura. Ela nos coloca no meio dos grandes conflitos. Nosso equilíbrio está na articulação entre luta e contemplação. O bem viver, no horizonte de todos e para sempre, existe somente no horizonte da ressurreição, que é justiça definitiva para todos e insurreição contra o absurdo!



[1] POMA DE AYALA, Felipe Guamán, El primer nueva corónica y buen gobierno, México, Siglo Veintiuno, 1980, n. 15.
[2] Cf. FARÍAS, Fernando Amaya. Indio y Cristiano em condiciones coloniales. Lectura teológica de la obra de Felipe Guamán Poma de Ayala: Nueva Crónica y Buen Gobierno. Quito, Abya Yala, 2008.

CIMI - Conselho Indigenista Missionário

15 maio 2011

A Lei da Economia Popular e Solidária do Equador e o caso do Brasil

Por Daniel Tygel

Foi aprovada no dia 28 de abril a Lei de Economia Popular e Solidária e Finanças Populares e Solidárias do Equador. Este fato é um estímulo e subsídio importantes para nossas audiências públicas e debates a respeito da Economia Solidária e seu horizonte de transformação, que no caso do Equador se chama Kumak Kawsay (Bem Viver), que posiciona a vida acima do lucro e do individualismo. Vejam algo sobre o Kumak Kawsay aqui: http://www.cimi.org.br/?system=news&eid=409 .

Notem que a lei incorpora num mesmo texto a regulamentação das organizações de finanças populares (como do PL proposto por Luiza Erundina) e a regulamentação da Economia Popular Solidária (na linha do nosso PL da Economia Solidária que o FBES submeterá este mês ao Congresso Nacional).

Outra observação interessante é que são definidos 4 formas de organização: Setores Comunitários, Associativos e Cooperativistas, assim como as "Unidades Econômicas Populares". As 3 primeiras são coletivas, e a última são individuais ou familiares, como artesãos, pipoqueiros, etc. Vejam que, com isso, não se entra no mérito das "micro e pequenas empresas".

É uma maneira direta de tratar de setores individuais e familiares do mundo da economia popular numa lógica distinta à lógica do "empreendedor individual" que está em voga para o governo brasileiro. É só ver a definição inicial, que claramente aponta a supremacia da vida sobre o lucro como horizonte e princípio da EPS.

No caso brasileiro, estas "unidades econômicas populares" costumam participar de fóruns de economia solidária, em especial artesãos e artesãs, mas não são considerados empreendimentos solidários, pois não são coletivos. Só passam a sê-lo quando estas unidades se associam para comercializar, comprar insumos ou produzir. Acredito que este debate é interessante para fazermos depois desta tempestade do PL 865, no futuro: como a Economia Solidária contribui e pode contribuir ainda mais na organização da chamada "Economia dos Setores Populares" de modo emancipatório e no sentido de fortalecer uma orientação de desenvolvimento territorial, sustentável e solidário?

Outro aspecto interessante é que os 3 tipos coletivos de organização são cadastrados via um sistema próprio de registro (ou seja, não é a junta comercial, mas uma junta da economia popular e solidária). Por fim, me chamou a atenção o "ato econômico solidário", que é uma espécie de "ato cooperativo" mais amplo, abrangendo todas estas opções de organização econômica solidária.

A lei está neste link abaixo. Vale a leitura!
Lei_de_EPS_e_Finanças_Solidárias_do_Equador_2011-05-11.doc

Apenas para dar um gostinho, tomei a liberdade de traduzir e reproduzir abaixo os 4 primeiros artigos da lei (definição, objeto e princípios). Os princípios são muito bonitos e afinados com os nossos da Economia Solidária do Brasil.

Ao final deste texto, reproduzo também alguns artigos e extratos da Constituição do Equador, que dão a base para esta lei.

Artigo 1.- Definição.- Para efeitos da presente Lei, entende-se por economia popular e Solidária a forma de organização econômica, em que seus integrantes, individual ou coletivamente, organizam e desenvolvem processos de produção, trocas, comercialização, financiamento e consumo de bens e serviços, para satisfazer necessidades e gerar renda, baseadas em relações de solidaridade, cooperação e reciprocidade, privilegiando o trabalho e o ser humano como sujeito e fim de sua atividade, orientada ao bem viver, em harmonia com a natureza, sobre a apropriação, o lucro e a acumulação de capital.

Artigo 2.- Âmbito.- Se regem pela presente lei, todas as pessoas físicas e jurídicas, e demais formas de organização que, de acordo com a Constituição, conformam a economia popular e solidária e o setor Financeiro Popular e Solidário; e, as instituições públicas encarregadas da reitoria, regulação, controle, fortalecimento, promoção e acompanhamento.

As disposições da presente Lei não se aplicarão às formas associativas sindicais, profissionais, laborais, culturais, desportivas, religiosas, entre outras, cujo objeto social principal não seja a realização de atividades econômicas de produção de bens ou prestação de serviços.

Tampouco serão aplicáveis as disposições da presente Lei aos mutuais e fundos de inversão, as mesmas que se regirão pela Lei Geral de Instituições do Sistema Financeiro e Lei de Mercado de Valores, respectivamente.

Artigo 3.- Objeto.- A presente Lei tem por objeto:

Reconhecer, fomentar e fortalecer a Economia Popular e Solidária e o Setor Financeiro Popular e Solidário em seu exercício e relação com os demais setores da economia e com o Estado;

Potencializar as práticas da economia popular e solidária que se desenvolvem nas comunas, comunidades, povos e nacionalidades (nações indígenas), e em suas unidades econômicas produtivas para alcançar o Sumak Kawsay;

Estabelecer um marco jurídico comum para as pessoas físicas e jurídicas que integram a Economia Popular e Solidária e do Setor Financeiro Popular e Solidário;

Instituir o regime de direitos, obrigações e benefícios das pessoas e organizações sujeitas a esta lei; e,
Estabelecer a institucionalidade pública que exercerá a reitoria, regulação, controle, fomento e acompanhamento.

Artigo 4.- Princípios.- As pessoas e organizações amparadas por esta lei, no exercício de suas atividades, se guiarão pelos seguintes princípios, segundo corresponda:

A busca do bem viver e do bem comum;

A prioridade do trabalho sobre o capital e dos interesses coletivos sobre os individuais;

O comércio justo e consumo ético e responsável;

A equidade de gênero;

O respeito à identidade cultural;

A autogestão;

A responsabilidade social e ambiental, a solidariedade e responsabilização; e,

A distribuição equitativa e solidária de excedentes.